Teoria Geral dos Afetos
Teoria geral dos afetos numa concepção compreensiva fenomenológica-existencial
A concepção compreensiva fenomenológica-existencial dos afetos tem sido fundamentada e proposta pelo psicólogo Emilio Romero em seu livro “As formas da sensibilidade –As modalidades afetivas fundamentais” (S.Paulo, 2003). Seu objetivo foi proporcionar uma caracterização das grandes modalidades afetivas, o que permite distinguir um enfoque fenomenológico dos afetos. De acordo com este método distinguiu claramente as quatro grandes modalidades da expressão afetivas: as emoções, os sentimentos, os estado de ânimo e as paixões. Estas modalidades eram mencionadas tanto no linguajar corriqueiro como nos textos de psicologia; contudo, nenhuma destas modalidades eram diferenciadas segundo critérios firmes, fundamentadas em evidências fenomenológicas. As classificações propostas por outros psicólogos misturam afetos sem nenhuma justificativa válida. Nenhum oferece diferenças sustentáveis entre emoções e sentimentos, embora apresentem pelo menos cinco características diferenciais. E não é preciso esperar uma classificação dos sentimentos e dos estados de ânimo. Aqui as confusões são ainda piores.
O que Emilio Romero proporciona são critérios seguros, claramente presentes nas diversas modalidades e famílias de afetos: os fenômenos falam por si mesmos.
1. Os afetos permeiam a vida das pessoas e o espaço social
Em nossa cultura o emocionante tem um caráter eminentemente positivo. Não importa que o que nos provoca uma reação emocional seja grotesco, absurdo, tolo, cruel. Existe toda uma indústria cuja matéria prima são as emoções - ou melhor, o jogo emocional decorrente dos eventos programados e calculados para provocar reações intensas num público consumidor. O cinema, os noticiários da TV, a literatura de consumo massivo, os esportes e até os ritos religiosos baseiam seu sucesso no impacto que produzem numa clientela, aliás, desejosa de tal efeito. A mídia não só apela para sentimentos românticos, mas para todos os afetos. Boa parte dos programas televisivos são simples divertimentos baratos, verdadeiros carnavais de banalidades e agitação emocional. O que se propõe a mídia eletrônica, em especial, é tanto provocar desejos quanto impactar ao potencial consumidor. Para conseguir este impacto apela para todos os eventos extremos que caracterizam o cotidiano do mundo contemporâneo –violência, sexo, escândalos, ídolos populares, corrupção nas altas esferas, crimes espantosos, vida íntima dos privilegiados, paixões e romances. Sobretudo romances; paixões para todos os gostos, idades, classes e preferências sexuais. As dúzias de revistas femininas e as tele-séries, infaltáveis em todos os canais televisivos, criam um clima de erotismo e de situações emocionais que empolgam a uma massa de leitores e espectadores, geralmente carentes deste tipo de estímulos nas suas vidas restritas.
Para compensar a rotina cotidiana as pessoas não querem apenas distrair-se com passatempos simples e mecânicos. Procuram que esse divertimento e outras formas de expressão - jogos, espetáculos, relações interpessoais, festas - mexam com seus afetos, expectativas e desejos. É notório que a vida adquire um caráter dramático e cromático na medida que os eventos e ações afetam e mexem com nossa sensibilidade. Emoções e sentimentos revelam que estamos sentindo os acontecimentos com intensidade e envolvimento, o que parece dar uma dimensão a mais ao acontecer. Não apenas as emoções e os sentimentos permeiam o espaço social. Como indivíduos estamos sendo continuamente afetados na interação com o mundo; não apenas somos agitados por uma efervescência emocional, ora agradável, ora desagradável –segundo seja como avaliamos os eventos do mundo que mexem com nossa sensibilidade- também vivemos num determinado clima afetivo que impregna o campo psicológico levando-nos a uma percepção do mundo em consonância com esse clima afetivo predominante: vivemos e estamos sempre num estado de humor (ou de ânimo, como também se diz). São estados relativamente duradouros, que tanto podem durar uma hora ou prolongar-se por dias, meses e até anos, com leves variações. A ansiedade e a depressão, o contentamento e a serenidade são alguns destes estados.
Existe igualmente uma combinação de emoções e sentimentos que ainda tem um impacto mais intenso e avassalador na vida do sujeito: são as paixões. Das três grandes paixões que dominam aos seres humanos, uma é procurada e desejada como uma experiência única e inesquecível: a amorosa. O amor é um sentimento, mas misturado com o desejo erótico gera um composto altamente ígneo e invasivo. Fascinado e absorvido por um objeto, o sujeito o supervaloriza a tal ponto que sua atenção e o movimento de sua existência fica polarizada no objeto. O caráter fascinante do objeto da paixão coloca a pessoa num estado de exaltação e de intensidade vitais rara vez alcançado por outros meios e objetivos.
Há certamente outras paixões, que não implicam a libido; implicam os outros aspectos já mencionados. Todas elas polarizam o movimento da existência no objeto da paixão. A paixão pela causa, religiosa e política, e a paixão pelos jogos de azar são as mais conhecidas. As três não chegam a ter a mesma atração irresistível, tão característica da exaltação erótica. Poderia pensar-se que a paixão pelos jogos de azar é sobretudo um vício mais que um movimento afetivo absorvente; teria um caráter compulsivo que geralmente leva à destruição do sujeito. Ora, todas estas características estão igualmente nas outras paixões mencionadas acima. Embora o fanatismo não seja inerente à paixão pela causa não é tampouco surpreendente que termine por misturar-se com ela, obnubilando assim a correta visão das coisas.
Contudo, embora as pessoas gostem de experimentar emoções associadas aos mais diversos sentimentos, existem duas emoções primitivas, inerentes à condição humana, que perturbam negativamente, gerando conseqüências nada agradáveis: o medo e a raiva. Podemos até reconhecer certo lado positivo destas duas vivências, mas nos resulta intolerável viver por muito tempo em seu âmbito. Reconhecemos que estas duas emoções são vitais para nossa sobrevivência, pois as duas operam como proteção e defesa perante as ameaças que nos acossam de modo constante; elas são parte de nossa herança animal, pois estão igualmente presentes em todos os vertebrados formando parte do instinto de conservação da espécie.
2. Caracterização fenomenológica da afetividade e dos afetos
Por experiência direta todos sabemos o que são os afetos; talvez a maioria das pessoas não saberia conceitualizá-los, mas nos daria uma certa idéia de como eles se manifestam e de seus efeitos na vida das pessoas. Todos temos um conhecimento intuitivo, imediatamente vivido desta dimensão básica da existência. Contudo, como um passo inicial indispensável precisamos ter um conhecimento mais rigoroso e melhor delimitado destas formas da sensibilidade mediante o esclarecimento dos conceitos fundamentais que as definem na sua peculiaridade.
Em primeiro lugar, o que entendemos por afetividade? Esta é uma questão que nos exige uma reflexão atenta, pois até hoje os especialistas não nos oferecem um conceito claro, embora seja a primeira questão a ser respondida. Há pelo menos duas maneiras de responder a essa questão. Primeiro, de um modo formal e abstrato: a afetividade é uma dimensão da existência que abrange todas as formas que possam afetar subjetivamente o ser humano em sua relação com o mundo. A afetividade é entendida simplesmente como o conjunto de todos os afetos, negativos ou positivos, quaisquer que seja sua modalidade.
Segundo, de um modo fenomenológico-existencial. O homem está em permanente interação com seu ambiente; nesta interação homem-mundo, os eventos, os objetos e pessoas que configuram este relacionamento, têm um certo grau de ressonância na existência do sujeito, ressonância que estrutura sua subjetividade de maneira que afeta todo seu ser, em algum grau.
Em termos psicológicos, podemos chamar de sensibilidade esta capacidade de sentir os eventos e as relações que mantemos com os objetos e seres do mundo. Esta capacidade revela que somos seres sensíveis, abertos ao que acontece ao nosso redor e em nós mesmos. A sensibilidade se dá em dois planos diferentes. Há dois planos da sensibilidade; um se manifesta no plano orgânico; outro se mostra no plano dos afetos. No plano orgânico são os órgãos sensoriais os que nos permitem sentira enorme riqueza de informações que podemos adquirir graças à senso-percepção; os chamados cinco sentidos tradicionais nos proporcionam dados do mundo externo (audição, visão, olfato, tacto, gosto); contudo, há outros sentidos que nos proporcionam informações tanto de nosso próprio corpo quanto do mundo externo:
A sensibilidade sensorial nos permite tanto perceber o que acontece quanto nos permite sentir as qualidades básicas das coisas –cheiros, cores, formas, sabores, temperatura, etc. Pela sensorialidade começamos a classificar as coisas e seres do mundo conforme duas categorias antitéticas: o agradável e o desagradável. O agradável nos provoca sensações de prazer; o desagradável se nos apresenta como desprazeroso. Existem outras fontes de agrado, como são a satisfação das necessidades naturais (dormir, comer, fazer sexo), todas elas associadas a sensações prazerosas. Estas duas categorias da sensorialidade mantêm uma estreita conexão com o plano da sensibilidade afetiva. Um ambiente agradável influi diretamente no estado de humor; se você está desanimado é provável que logo se sinta melhor dispostos tomando um banho, mais ainda se o faz em companhia de quem gosta. Mal dormido, esfomeado, cansado depois de uma labuta dura, é muito provável que fique irritável, pronto para manifestar ira e desgosto.
A sensibilidade na área dos afetos se revela pela duração, a forma e a intensidade em que uma pessoa se sente afetada pelos eventos do mundo no plano vivencial-esse plano que costuma ser chamado como subjetividade. Há pessoas mais sensíveis que outras; há etapas da vida em que normalmente somos mais ou menos receptivos aos estímulos afetivos. O grau de sensibilidade pode implicar ora uma reação imediata e passageira ao estímulo-situação, ora uma reação retardada e persistente. Duração, intensidade e forma expressiva parecem ser características associadas à personalidade do sujeito. Em todo caso, ser menos ou mais sensível supõe ser menos ou mais permeável às situações-estímulos e aos eventos que estão continuamente instigando, provocando ao sujeito.
Na linguagem corriqueira os afetos são entendidos como sinônimos de sentimentos. Porém, os afetos correspondem às unidades específicas e características, que se configuram no plano da afetividade quando o sujeito experimenta de um modo peculiar sua relação com o mundo. Podem ser uma emoção (como o medo e a raiva), um sentimento (como a inveja ou a admiração), um estado de ânimo (como a angústia ou a cordialidade, estados que supõem vários afetos entrelaçados numa unidade de sentido) ou uma paixão (como a paixão amorosa, ou a paixão pelo jogo, que são sentimentos, intensos e persistentes, polarizados num determinado objeto).
Chama-nos a atenção que sejam as emoções as mais pesquisadas por parte dos especialistas, a ponto de que os manuais de psicologia estudar quase unicamente este tema quando querem expor o lado afetivo do ser humano. Costumam incluir também os sentimentos; contudo, não especificam claramente as diferenças existentes entre estas duas vivências. Os manuais mais rigorosos nos ensinam que as diferenças derivam de um fator puramente quantitativo, esquecendo que aí não reside a diferença principal. No livro mencionado se mostra como se dão as diferenças, que não são de ordem puramente quantitativa; reside no significado vivencial que estas duas modalidades afetivas caracterizam.