As Crises Existenciais
Emilio Romero
Estas crises nos gera inquietações, perplexidades, rupturas. Nelas nos questionamos o sentido de nossa vida. Às vezes, nos deixam um saldo favorável, nos fortalecem; às vezes, nos deixam as mãos geladas e os olhos vazios.
Você já ouviu falar de crises existenciais?Talvez não, mas já as experimentou. Não se trata de algum tipo de gripe. É algo bastante pessoal. Em princípio, todos os eventos que questionam e quebram nossas crenças e valores mais pessoais podem nos provocar uma crise e uma desorientação existenciais.
Como sabemos, a trama mais íntima da nossa vida está tecida por uma série de crenças, articuladas com seus correspondentes valores. Essas crenças são como as linhas mestras que orientam a nossa vida, por bem ou por mal. É fácil verificar; cada etapa da vida se caracteriza pelo predomínio ou destaque de certas crenças, embora algumas nos acompanhem durante a vida toda.
Na infância, acreditamos no amor e no poder de nossos pais, na legitimidade das normas sociais e na verdade dos ensinamentos (religiosos, morais, etc.). Tanto as os valores como as normas são acatadas pela criança como a lei correta, sem questionamento, salvo o caso de implicar abusos e violência extrema. Deus nos céus, os pais seus representantes na terra.
Na adolescência, sofremos a primeira grande crise; percebemos que tudo aquilo que adorávamos é só acreditável em termos –ou talvez completamente descartável. Ingressamos a os grupo dos iguais, outros jovens desejosos de experimentar tudo, sem ter uma noção clara ainda de quais sejam os limites da ação. Então inventamos novas crenças ou simplesmente aceitamos as que o sistema social nos propõe –assim tranqüilamente, embora ainda machucados por tudo aquilo que perdemos. A adolescência é a etapa da descoberta de si e do mundo social, em sua complexidade e seus enormes conflitos; muitos jovens prefeririam continuar sob o amparo parental, tanta ansiedade lhes provoca alguns aspectos tremendo do sistema social –como é o caso de não conseguir um emprego, ou pertencer a uma minoria discriminada.
Passados alguns anos, por aí em torno dos 30-33 anos, entramos na idade madura, a chamada idade da razão prática. A partir dos 30 não podemos protelar muito algumas realizações básicas. Ter um emprego fixo e estável, formar uma família, conciliar as contradições que configuram nossa personalidade, etc. Tarefas nada fáceis. Aquilo que nos empolgou sofre a corrosão dessa estranha mistura que denominamos realidade. De novo precisamos reformular algumas convicções. O amor não era como tínhamos imaginado nos anos verdes, nem as pessoas eram tão bem dispostas para as mudanças sociais, nem a fortuna se obtinha graças apenas ao trabalho honesto. O idealismo juvenil se atenua e, nos casos mais tristes, se extingue. Mas precisa ser substituído por algo que nos encoraje e nos justifique como gente.
Neste estágio, se não somos já niilistas, fabricamos novas razões para viver. Todavia somos capazes de nos comprometer com um ideal –no plano social, da arte, da ciência- e estamos com todo o fôlego para concretizá-lo. Aliás, aí estão os filhos, a promoção profissional, talvez a construção dos suportes materiais. Ainda existe o futuro para nós, com incontáveis auroras. Somos realistas, o que não é nenhuma garantia contra o engano e a ficção.
Aos 50 anos, número pouco amável para quase todos nós. E outra vez dona crise batendo rudemente nas portas de nosso pequeno santuário. Ainda podemos dar um jeito para afugentar os primeiros estragos do tempo. Os filhos foram embora, ou estão preparando as malas. Fazemos o balanço. Se as somatórias dos mais e dos menos não foi francamente desfavorável, então temos mais oportunidades. Se nos foi impiedosamente desfavorável, ainda temos o tranqüilo exercício da cana de pescar, a amável mensagens das nuvens viageiras e essa velha melodia que nos acompanha desde a infância, que não quer extinguir-se nem mesmo quando se apaga para sempre nossa vez.
E chegamos aos 60-65, quando chegamos. Se há fortuna não nos maltratou demais, acreditamos que o inverno será bastante benigno, apesar dos dias anuviados e das ruas desertas. É certo que já não temos futuro, apenas um passado irrecuperável e um presente oscilante, oscilante entre um entardecer ensolarado e uma noite escura como as fauces do jaguar. Será que nesta etapa surgem algumas crises? Surgem. É a senescência.
Nesta última etapa surgem quase todas as limitações que até então talvez tínhamos evitado de alguma maneira. As limitações biológicas, que não se traduzem apenas nos achaques do corpo, com suas doenças e deficiências. Surge uma queda da libido, que alguns até consideram uma sábia medida da natureza numa idade em que resulta muito difícil achar uma parceira (o parceiro) sexual adequada –nem velha, que então reduz em muito sua atração, nem jovem que exige um desempenho que a nesse período resulta difícil atender. Seja por falta de parceira, seja por queda da libido, esta carência é sentida como outra manifestação do declínio. Surgem as limitações associadas à aposentadoria, com o excesso de tempo livre, a diminuição dos ingressos e a sensação freqüente de inutilidade. E apenas para destacar demais as fontes destas crises, cada dia se torna mais clara a consciência da finitude, do próximo fim.
Cada uma destas crises nos gera inquietações, perplexidades, rupturas. Nelas nos questionamos o sentido de nossa vida. As vezes, nos deixam um saldo favorável, nos fortalecem; as vezes, nos deixam as mãos geladas e os olhos vazios.
Mencionei as crises previsíveis; as imprevisíveis aparecem em qualquer momento, na volta da esquina ou na descida da primeira estação.